A notícia de que um político japonês cometeu suicídio por conta de suspeitas de que tenha participado de um esquema de corrupção deve ter feito muita gente pensar que essa moda deveria pegar por aqui nos tristes trópicos; quem sabe não tivéssemos um país melhor por conta disso? Mas é claro que é apenas um sonho. Diria mesmo que é impossível que isso ocorra, não importa quanto tempo passe. A não ser que troquemos de população: a do Japão aqui; a daqui, lá. Do mesmo modo, não acho plausível pensar nossos desacertos históricos por conta desta ou daquela nação, como se fosse possível a simples emulação, sem mais essa, como querem alguns. Por exemplo: é bonito chegar aqui e dizer que, em termos de acerto com o passado, a Argentina e o Chile estão melhores que nós. Quem diz isso ou é uma besta ou é mal-intencionado. Ou ambos. Primeiro que a formação sócio-histórica daqueles países é diversa da do Brasil, o que já determina muita coisa. Segundo que, a despeito de as ditaduras latino-americanas terem raízes semelhantes, seus descaminhos foram outros, bem como seus declínios. Querer que sigamos a Argentina ou o Chile implica uma ruptura de conseqüências quase certamente negativas para nós. Aliás, nessa conversa de seguirmos "los hermanos", nunca fomos tão vilipendiados. E velhas feridas voltaram a sangrar.
A bobagem tem ganhado, inclusive, páginas de alguns periódicos. E com ares de quem descobriu a pólvora. A nossa literatura, por exemplo, teria muito a ganhar se seguisse a da Argentina... Restaria saber como. Nossa história de conciliações, de jeitinhos, de favorecimentos e de rejeição quase doentia ao confronto não teria como dar forma a uma arte literária como a de nossos vizinhos - a não ser como farsa. Os exemplos mais recentes, entre nós, parecem desmentir o que aqui foi dito, mas... será mesmo? Pegue-se um livro como Cidade de Deus. À parte a temática, o que mais ali formaliza o fim da "malandragem" (nos termos de Antonio Candido, ao tratar de Memórias de um Sargento de Milícias)? Pouco, se o leitor prestar atenção.
O quadro, evidentemente, está mudando. Não porque os escritores tenham resolvido pegar em armas - salvo um e outro -, mas porque o jogo de forças sociais tem sofrido alterações drásticas nos últimos anos. A inconsciência política permanece entre os comuns mortais; o que tem mudado é o que chamaríamos outrora de "a marginalidade", incluindo os ditos movimentos sociais. E isso, ao contrário do que imaginavam as esquerdas, não nos levará a um país melhor e mais justo. E o confronto não será parte de um movimento dialético, mas de eliminação do outro, seja ele quem for. A literatura apenas formaliza essas contradições, nem sempre com resultados dos mais felizes - embora sempre representativos. Se os nossos desencontros históricos parecem nos levar para uma cilada, não será a imitação de modelos que melhorará o quadro, embora possa, sem dúvida, modificá-lo. Assim, seja a democracia norte-americana, seja o político japonês que prefere se suicidar a perder sua honra (aqui, eu diria que não se pode perder o que não se tem), nada tem efeito certo sobre a sociedade. Seria pretensão além da conta imaginar que "acertar as contas com nosso passado, como fizeram os chilenos" vai nos ajudar em algo que não seja a produção de outro desastre.
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