Diálogo real entre mim e um rapaz que me parou na rua:
- Oi, tio, pode me ajudar com um real?
- Pra começo de conversa, tio é a puta que te pariu. E pra que você quer um real?
- Não tá vendo? Entrei na faculdade!
De fato, eu havia visto. Cabelos picotados, pintados de roxo, amarelo, azul e fúcsia. Sem camisa. Um pouco mais e pareceria destaque de escola de samba. Espinhas no rosto, para completar o estereótipo.
- E qual o motivo de tanta alegria?, perguntei, olhando em torno e vendo a garotada esbanjando felicidade e hormônios por todos os poros.
-Ué, entramos na faculdade, tio! Entramos!
-Tá, você já disse isso. Mas eu pergunto de novo: e essa festa toda, é a propósito de quê?
Ele me olhou incrédulo. Olharia mais, se tivesse noção do que significa "incrédulo", mas não era o caso. Voltei a dizer:
- Vamos fazer o seguinte: se você me convencer que essa alegria toda tem razão de ser, te dou dez reais, pode ser?
O rapaz forçou os neurônios calculando quantas cervejas isso daria.
-Tá, concordou, emendando a seguir: então, entrar na faculdade é uma realização de vida, não é?
-Por quê?
-Ah, vou ter uma profissão, ganhar dinheiro, fortuna, essas coisas...
-Com a faculdade?
-É.
-E em qual faculdade você entrou.
E ele me disse o nome da instituição. Uma dessas "uni-qualquer coisa". Talvez nem isso.
-Sei, Você vai ficar dois, três anos pagando todo mês pra sair com uma profissão?
-É, mais ou menos.
-Como assim?
-Não, depois tem que batalhar pra arrumar o emprego, a concorrência tá brava, mas eu sei que vou ter condições de estar mostrando todo meu potencial mais pra frente.
-Quando?
-Durante a faculdade, no estágio, não sei.
-Então deixa eu ver se entendi. Você vai fazer um curso, pagar caro por ele, não ter garantia alguma que isso vai trazer alguma vantagem real em sua vida, mas acredita que isso vai te dar uma chance maior de "vencer na vida", é isso?
Ele balançou a cabeça colorida, não sei se concordando ou por mero reflexo.
-Daí você acredita que, neste mundo em que vivemos, as oportunidades aparecem para aqueles que se esforçam mais, ou são mais espertos, ou mais inteligentes, ou mais alguma coisa? Então deixa eu te dizer uma coisinha: este mundo só dá alguma coisa se receber algo em troca, e não é pouca coisa. Você vai ter de dar seu tempo, seu fiapo de algo que você imagina ser felicidade, sua dignidade e, se perigar, até mesmo sua bunda. Isso pra não passar fome. Se quiser tudo o que você está imaginando pra você, nem precisa fazer faculdade. Seja só um filho da puta, mas daqueles bons, capazes de fuder a mãe se precisar. Venda-se. A indecência é um princípio básico para a sobrevivência.
Continuei:
-Eu não sei de onde vocês tiraram essa idéia de que entrar na faculdade é motivo de alegria. Ok, você entrou. E o que vai fazer disso? Pendurar na parede? No pescoço? Digamos que você consiga terminar o curso sem entrar na lista de inadimplentes. E depois? Vai virar empregado? Vai abrir uma empresa? Qual vai ser sua opção? Ser fodido ou foder o outro? Não importa, já que você vai desenvolver uma úlcera, talvez um câncer, vai casar com uma mulher linda que logo vai virar uma baranga chata, depois vai ser chifrado e vai chifrar, vai gastar uma grana com prostitutas até ficar impotente por causa da próstata. Aí você vai poder parar e dizer: "Minha vida é um sucesso!"
O bom dessa história toda é que gastei os tais dez reais comprando uma tapioca na barraquinha da esquina. Não, não tenho cartão corporativo. Nem eu consigo ser tão f.d.p assim...