30 de maio de 2007

Micronarrativa

Olhei o retrato dela e desejei com todas as forças do mundo que ela estivesse junto a mim, que me ligasse e dissesse um oi, qualquer coisa.
Naquele momento, ela hesitava com a navalha pensa na mão direita.

Bobagens, bobagens...

A notícia de que um político japonês cometeu suicídio por conta de suspeitas de que tenha participado de um esquema de corrupção deve ter feito muita gente pensar que essa moda deveria pegar por aqui nos tristes trópicos; quem sabe não tivéssemos um país melhor por conta disso? Mas é claro que é apenas um sonho. Diria mesmo que é impossível que isso ocorra, não importa quanto tempo passe. A não ser que troquemos de população: a do Japão aqui; a daqui, lá. Do mesmo modo, não acho plausível pensar nossos desacertos históricos por conta desta ou daquela nação, como se fosse possível a simples emulação, sem mais essa, como querem alguns. Por exemplo: é bonito chegar aqui e dizer que, em termos de acerto com o passado, a Argentina e o Chile estão melhores que nós. Quem diz isso ou é uma besta ou é mal-intencionado. Ou ambos. Primeiro que a formação sócio-histórica daqueles países é diversa da do Brasil, o que já determina muita coisa. Segundo que, a despeito de as ditaduras latino-americanas terem raízes semelhantes, seus descaminhos foram outros, bem como seus declínios. Querer que sigamos a Argentina ou o Chile implica uma ruptura de conseqüências quase certamente negativas para nós. Aliás, nessa conversa de seguirmos "los hermanos", nunca fomos tão vilipendiados. E velhas feridas voltaram a sangrar.
A bobagem tem ganhado, inclusive, páginas de alguns periódicos. E com ares de quem descobriu a pólvora. A nossa literatura, por exemplo, teria muito a ganhar se seguisse a da Argentina... Restaria saber como. Nossa história de conciliações, de jeitinhos, de favorecimentos e de rejeição quase doentia ao confronto não teria como dar forma a uma arte literária como a de nossos vizinhos - a não ser como farsa. Os exemplos mais recentes, entre nós, parecem desmentir o que aqui foi dito, mas... será mesmo? Pegue-se um livro como Cidade de Deus. À parte a temática, o que mais ali formaliza o fim da "malandragem" (nos termos de Antonio Candido, ao tratar de Memórias de um Sargento de Milícias)? Pouco, se o leitor prestar atenção.
O quadro, evidentemente, está mudando. Não porque os escritores tenham resolvido pegar em armas - salvo um e outro -, mas porque o jogo de forças sociais tem sofrido alterações drásticas nos últimos anos. A inconsciência política permanece entre os comuns mortais; o que tem mudado é o que chamaríamos outrora de "a marginalidade", incluindo os ditos movimentos sociais. E isso, ao contrário do que imaginavam as esquerdas, não nos levará a um país melhor e mais justo. E o confronto não será parte de um movimento dialético, mas de eliminação do outro, seja ele quem for. A literatura apenas formaliza essas contradições, nem sempre com resultados dos mais felizes - embora sempre representativos. Se os nossos desencontros históricos parecem nos levar para uma cilada, não será a imitação de modelos que melhorará o quadro, embora possa, sem dúvida, modificá-lo. Assim, seja a democracia norte-americana, seja o político japonês que prefere se suicidar a perder sua honra (aqui, eu diria que não se pode perder o que não se tem), nada tem efeito certo sobre a sociedade. Seria pretensão além da conta imaginar que "acertar as contas com nosso passado, como fizeram os chilenos" vai nos ajudar em algo que não seja a produção de outro desastre.

28 de maio de 2007

Outro poema.

Poema bastante contemporâneo

Sapatos de verniz riscam o assoalho
Onde se projetam as pernas das senhoras
E suas varizes que deixam rastros
Entre o verde e o marrom - qual bosta
Que evito, o asco me subindo a garganta.
Ao canto, vêm-me falar de amor
Como crer em deuses ou em borras de café
Sujando os pires. Mas esses morrem
Tarde e comem grama nascida no asfalto,
Enquanto concertam suas mandíbulas travadas
Em ré menor - celulares aos ouvidos.
Mas não há quem ouça senão a si próprio,
Senão o roncar de suas entranhas,
O torcer dos intestinos até a volúpia das fezes
Nas quais deslizamos, quase felizes.

23 de maio de 2007

Finalmente um poema!

As curvas

para Vv.

Ontem à tarde o sol sumia entre os prédios,
Num vermelho quase líquido escorrendo,
Tal as ondas de teus cabelos
Sobre os ombros, onde carregas mares
De pesadelos e sombras secas,
Em que varetas e folhas vêm brincar.

Ontem à tarde tentei te ver
Nas ruas plenas de pessoas e pressas,
Nas páginas dos jornais, nas fotos
Impressas, nas telas dos cinemas,
No computador que não ligava,
Por ti busquei onde tu não estavas.

Hoje tenho junto a mim um céu
De chumbo e o papel em branco
Em que tento rabiscar o que de ti
Restou: as palavras destes versos
Sem medida, as curvas de teu corpo
Em minha retina, o gosto que não sei
De tua saliva.

22 de maio de 2007

O que falta...

Está faltando mais Literatura aqui, não? Só lamúria ninguém merece nem agüenta...(hehehe!) Na verdade, tenho um poema novo, mas ainda quero dar uma última olhada nele antes de postar aqui. Então, aguardem mais um pouquinho...

21 de maio de 2007

Que tempo esse o nosso!

Não se pode dizer que minha última semana tenha sido das mais agradáveis. Pedi demissão daquele emprego ridículo, o que desfalcará minha conta bancária de modo considerável. No momento, estou apenas com uma aulinhas, que mal dão para pagar as contas de um quinto (dos infernos) do mês, o que dirá dele inteiro. Como se sabe, escolas não abrem vagas nesta época do ano, a não ser para contratar a partir de agosto. E por aí vamos.
O mar, portanto, não está pra peixe. Os moluscos, entretanto, se esbaldam. E, nesse meio tempo, fico sem poder assistir aos filmes que desejo, comprar os livros que encontro e adquirir os DVDs que almejo. Não sou jornalista pra receber, em minha casa, os últimos lançamentos - com release e tudo - para que eu possa tecer comentários mais ou menos inócuos ou mais ou menos tendenciosos, conforme minhas conveniências inconfessáveis. Não vivo das eventuais resenhas que possa escrever. E este blogue, em linhas gerais, só me dá prejuízo financeiro.
Resta ficar com o já sabido: os clássicos. Ou finalmente sentar e escrever aquele romance prometido. Ou a tese de doutorado. Ou ambos. Porque, de resto, só as migalhas mesmo.

15 de maio de 2007

Pausa lírica

Tenho amigas lindas, talvez as mais lindas do mundo, se é que posso exagerar. E guardo o maior carinho por todas, tenho ciúmes delas, sempre quero ajudá-las, ainda que isso implique sacrifícios imensos de minha parte. Gosto de ver o sorriso no rosto delas. Diferente de alguns, não tenciono fazer sexo com elas, embora não desgoste da idéia em si - que fica, entretanto, restrita às fantasias ou devaneios que todos temos. Gosto delas. Simples assim. Algumas são engraçadas, outras mais singelas. Umas são tímidas, outras atiradas. Mas todas são amigas, dessas que ajudam a gente nas horas difíceis, e que a gente ajuda, idem, idem. Difícil dizer de quem gosto mais.
Há uma, porém, que me chama mais a atenção. Por ser difícil, por ser dúctil, por sua líquida presença que se esvai no seguinte instante. Demoramos para nos encontrar, o que se fez numa noite ligeira, de palavras mais ligeiras ainda, e eu tentando escavar - a pá e picareta - uma gema que fosse que se comparasse ao brilho daqueles olhos a um tempo riso e tristeza, da boca que mostrava os dentes perfeitos e o voz que era mel e melodia. E eu medindo aquela moça alta, de corpo esguio e de luz, tertúlia, perfume. Essa moça é minha amiga. E nem sabe que é tanto assim. Talvez se assuste, talvez derrube o prato do almoço, talvez me esmurre e me derrube no meio da rua. Mas nem me importo, porque é tão difícil acreditar que pessoas como ela existam, e que não precisamos nos matar, porque ainda existe um sentido cujo alcance nem sei, mas minha amiga é a prova - agora concreta - de que sim. Que sim. Sim.

14 de maio de 2007

Mais uma semana...

Começando mal, naquela leseira de sempre. E com notícias ruins. Tem uma hora que cansa viver assim, dando murro em ponta de faca, girando em falso, e vendo o horizonte mais e mais se afastar - por mais que se esforce, tudo parece puxar você para trás. Dá vontade de desistir. Entregar o bastão. Deitar e esperar a noite chegar. Porque é sempre isso. Não há amigos, não há tapinhas nas costas, não há nada em lugar algum. Faz frio, mas e daí? O máximo que se tem é um instante ilusório de que a moeda vai cair do lado certo. Mas ela não cai. Só você, que tropeça e fratura o maxilar, a cabeça, o pouco que resta de algo que chamavam dignidade. Quem pode ser digno em um país como este?

13 de maio de 2007

Manifesto

A pedidos de minha nova orkut-amiga, Beatriz Bajo, publico o manifesto abaixo. Nem preciso dizer que concordo com o que está escrito, não?


Transcrição do artigo “Lugar de novos autores é nos guetos”, Observatório da Imprensa, ano 12, edição nº 431, dia 1 de maio de 2007:
MÍDIA E LITERATURA"Lugar de novos autores é nos guetos"Por Rodrigo Novaes de Almeida em 1/5/2007
As listas de livros mais vendidos no Brasil divulgadas nos jornais dão a falsa aparência de que não se faz literatura no nosso país. É uma coleção de livros importados de qualidade duvidosa, com raríssimas exceções. E isso apenas no que se refere à ficção, visto que existem dois outros tipos de listas – não-ficção e auto-ajuda – que também padecem do mesmo mal.
O argumento que diz ser a demanda dos leitores a causa dessa situação é incorreto. Existe um mecanismo perverso, entre grandes editoras e imprensa, que dita o consumo, ou, como preferem os defensores do sistema – hegemônico – do capital, o mercado. Grupos que controlam veículos de mídia também têm editoras, além do que existe uma troca de interesses e de favores entre imprensa e editoras para divulgar publicações e publicar "autores midiáticos", tudo visando ao objetivo final da lógica do mercado: o lucro. E na lógica desse sistema, a literatura brasileira contemporânea (que existe!) não seria lucrativa. Lançar novos escritores nacionais, então, seria um descalabro, prejuízo certo.
Contudo, se existe uma literatura brasileira contemporânea, por onde ela anda? Em mega-livrarias das metrópoles? E onde ela é apresentada? Nos cadernos ditos literários dos jornais? Não. Em guetos? Talvez.
Mapear a realidade
Um gueto parece vir, nos nossos dias, para abalar a estrutura tradicional do mercado editorial: a internet. É verdade que há muito entulho na rede binária, mas há também qualidade. Revistas literárias, jornais de poesia, blogs. São tantas as iniciativas na contracorrente. Algumas editoras pequenas já olham com atenção o que se faz na internet, dispostas a encontrar e publicar novos talentos.
Leitores também embarcam nessa contracorrente, insatisfeitos com o que é apresentado como literatura pelas grandes editoras e pelos veículos de imprensa, e buscam na rede alternativas.
As grandes editoras estão prestes a sofrer danos consideráveis, semelhantes aos sofridos pelas gravadoras anos atrás, se continuarem com a visão limitada e deformada pelas regras econômicas de mercado do sistema vigente. E a imprensa perderá a oportunidade de ter o papel próprio a ela de mapear a realidade nascente da nossa literatura neste começo de século, sem contar a credibilidade sob risco com os leitores.
RODRIGO NOVAES DE ALMEIDAhttp://vorticefamigerado.blogspot.com/

Pequena notícia sem importância

Resolvi pedir divórcio do mundo corporativo. Afinal, melhor vender meu corpo que vender minha dignidade ( a pouca que resta, diga-se de passagem) ...

9 de maio de 2007

Refresco

Sei que vocês que me lêem gostam de calor e tal e coisa. Mas nada me deixou mais feliz hoje que sair de casa com chuva e frio. Acho que é só esse clima que combina com uma cidade como São Paulo...

8 de maio de 2007

Olha:

infelizmente não tem luz no fim do túnel. Aliás, nem há final do túnel. E, caso houvesse, ele terminaria num abismo sem fundo onde cairíamos até o último suspiro de existência do universo.
(Frase dita hoje, no final do expediente)

Experiências do mundo corporativo. E ainda me querem convencer de que existe outro inferno além deste em que vivemos (vivemos?)...

7 de maio de 2007

Tentei...

...escrever um poema esses dias, mas não deu em nada. Difícil escrever sob condições assim, sem saber de onde você vai tirar seu sustento, já que as portas parecem se fechar sobre você. E não há nada no horizonte nos próximos dois ou três meses, o que só faz preocupar. Daqui a pouco, vai ser melhor não sair de casa só para não gastar ainda mais...hehehe!

Meu pessimismo vai além: a censura à biografia de RC talvez tenha sido um dos acontecimentos mais violentos dos últimos 20 anos, pelo menos. Durante a ditadura, ter uma obra censurada era, por assim dizer, parte do jogo. Hoje, vivendo sob uma suposta democracia - que mais e mais se fragiliza, por conta da ausência de oposição e do aparelhamento absoluto do Estado - ver uma obra de caráter intelectual, de pesquisa exaustiva e séria (ainda que algo tendenciosa para o biografado) ser brindada com uma sentença que impede sua veiculação, e o pior, referendada por um juiz, diante de advogados e tudo o mais, faz pensar em que tempo vivemos. Tempo em que caciquezinhos impõem sua visão tosca e torta sobre tudo e todos. Tempo em que a ditadura do pensamento único se impõe pela força de um Estado cada vez mais policial e policialesco. Tempo em que, com medo de passarmos por pessoas "de direita", preferimos nos calar. E nos calamos.