30 de maio de 2006

Novidades quase velhas

Primeira: fui convidado - e meu nome foi aprovado pelo Conselho Departamental - para substituir um professor e grande amigo na Escola de Comunicações e Artes da USP. Apenas um semestre, por conta de uma licença-prêmio dele. Esta notícia já havia sido veiculado no falecido blogue; o que não contei foi a quantidade de comentários apócrifos que surgiram, dizendo que eu estava me gabando de trabalhar de graça e coisa e loisa e mariposa... Fico a imaginar que motivação alguém teria para escrever tais coisas, mas creio nem ser necessário pensar muito... Ademais, não será de graça.
Segunda: creio que meu segundo livro de poemas deva ser publicado até o final do ano, quem sabe no início do próximo. Espero que isso aconteça antes que eu morra. Ou os eventuais compradores.
Terceira: fui convidado para participar de um evento em homenagem ao escritor João Antônio, falecido há quase 10 anos, e que foi objeto de minha dissertação de Mestrado. Será na Unesp, em outubro. Qual Unesp? Para quem é do ramo, é óbvio. Para quem não é, a informação: será em Assis.

Relembrando aquela frase que tanta celeuma causou: "Inveja pega mais que conjuntivite em banheiro coletivo." Trata-se, em suma, disso. Porque os amigos ficam felizes por nossos sucessos, ao contrário dos que fingem gostar da gente. Posso ser criticável em muitos aspectos, mas ninguém pode dizer que eu finja gostar de quem eu não goste.

Esclarecimentos

O texto abaixo é antigo e nunca foi publicado em lugar algum. Fazia parte de uma série de escritos de caráter memorialístico que perpetrei no início da década de 90 nos encontros do grupo de Redação Criativa do Museu Lasar Segall. Este, junto com outros que foram publicados no falecido Defenestrando o Inútil, são exemplos claros de que minha carreira como narrador tinha mesmo que ser abortada. Mesmo assim, gosto daqueles textos e, já que blogues foram feitos também para isso - para esse exercício mórbido de desencavar fósseis - achei por bem publicá-los. Há quem - além de mim - goste deles...

Pequeno escrito arqueológico

Doces visões da infância

Domingo no parque, ou melhor: passeio ao zoológico. Naquele ano de 1971, alguma alma benfazeja propôs que as classes do 3º ano fizessem uma excursão do tipo educativo e, já que não estávamos em época de Salão da Criança, a única saída possível era o Jardim Zoológico, local propício à prática pedagógica e ao aprendizado peripatético, ainda que marcados por algumas sutis diferenças: não vivíamos na Grécia Antiga, e nossas professoras estavam um pouco longe de Sócrates, em vários sentidos.
Ao saber da notícia, fiquei dividido entre uma certa euforia – própria das crianças que se deparam com novidades – e uma desconfiança quanto à forma com que a coisa se processaria. Pois eu presenciara, nos já referidos Salões da Criança, cenas dantescas em que dezenas de garotas e garotos eram conduzidos por suas respectivas mestras por meio de – como direi? – "cercadinhos" de corda; uma espécie de trenzinho de Carnaval, só que absolutamente contido. E eu, livre, próximo a meus pais, via tudo aquilo com assombro e superioridade, e os rostos tristes e ávidos eram de um contraste pavoroso com a minha situação. Seria assim nosso passeio?, conjecturava eu com os botões de meu pijama, na noite anterior ao acontecimento. Uma longuíssima noite, diga-se de passagem.
E já que falei em passagem, no dia seguinte, à porta da escola, um ônibus fretado nos esperava. Fretado ou furtado, sabe-se lá, pois parecia sobra daquela revolução de sete anos antes, com o agravante que andava e transportaria setenta crianças encapetadas e suas professoras. Um de meus colegas, como que numa premonição de seu... destino, tomou conta da cadeira do cobrador e, ainda que não houvesse dinheiro no caixa, adquiriu um certo ar distinto que jamais voltaria a ter, porque jamais se sentaria num lugar mais alto novamente, a não ser aquele mesmo. Cada um com a glória que merece, diria meu vírus neoliberal, escondendo – na verdade – minha inveja pelo destaque ganho por ele. O ônibus, confirmando a etimologia, recebeu a todos e, com o motorista a postos, pôs-nos a caminho e ao encontro das feras.
Bless the beasts and the children, cantaria Karen Carpenter. Há, de fato, alguma coisa em comum entre esses dois representantes do reino animal. Muito provavelmente a tendência a atitudes irracionais. Ou uma inocência de feições destruidoras. Graças, porém, à prudência dos organizadores, nosso passeio foi marcado, não num domingo, mas numa sexta-feira. A tranqüilidade do lugar só quebrada por nossos gritos, que se misturavam aos das crianças de outras escolas. Enfim, tínhamos o parque quase todo só para nós, fato que recebíamos com a alegria egoísta dessa faixa etária. Isso foi vital para que a idéia do "trenzinho" fosse abandonada, visto haver certa segurança, já que aprendíamos coisas úteis como "não confiar em estranhos", "chame um policial se se sentir em perigo", ou "não compre doces na porta da escola: eles podem estar envenenados". Mesmo assim, como resistir às guloseimas vendidas naquele paraíso? Maçãs do amor brilhantes, algodão doce, cachorro quente, e todas essas coisas meio nojentas aos olhos dos adultos. E churros. Não desses que se vendem hoje, com recheio e referências fálicas, mas dos simples – mais finos e somente recobertos de açúcar e canela. Assim, devidamente autorizados, usávamos nossos cruzeiros novos na compra daquelas coisas, devoradas com um prazer parecido com o do urso, que vimos ser alimentado habilmente pelo funcionário encarregado.
Aílton, meu amigo pessoal e adversário acadêmico, compartilhava comigo do espanto do primeiro contato com determinados animais, conhecidos apenas nos livros. O lobo guará, o rinoceronte, o leão preguiçoso e as cobras aparentemente viscosas, todos eles enchiam nossos pulmões de medo e nossos estômagos de água, pelo aspecto e pelo odor desagradável que exalava de seus recantos e corpos. Meu amigo, estranhamente, não parecia atraído pelos sabores, brilhos, e pelo colorido das guloseimas à nossa disposição, limitando-se a comer dos biscoitos que trouxera de casa. Mas por quê?, indaguei, imaginando náuseas grotescas, e sem perceber o olhar sem graça que me dirigira. "Não tenho dinheiro", era o que ele falava, sem abrir a boca. Coisa que, aliás, eu mesmo deveria ter feito, se fosse mais esperto. Ficamos, assim, os dois sentados à beira do caminho, um sol fresco naqueles anos cinzentos, olhando as árvores daquele Brasil que a mão de Deus abençoou, como dizia uma canção que tomaria conta das paradas militares, digo, de sucesso, no ano seguinte. Os colegas se divertiam no parquinho de areia malcheirosa; então me voltei para Aílton, e propus: "Vamos comer um churro?"
Ele permaneceu por alguns segundos em silêncio, soltou algumas palavras de recusa, mas insisti, eu pagaria, que besteira era aquela, deixa de ser bobo, e puxei-o pelo braço, arrastando-o comigo, sem me esquecer de avisar a uma das professoras aonde iríamos. Comprei dois pedaços recém prontos, ainda espalhando o aroma inconfundível e, sem malícia, compartilhamos daquele prazer descomplicado, antes mesmo que eu pudesse guardar o troco recebido. Ao terminarmos, o dinheiro ainda em minha mão, disse para Aílton: "Toma, fica pra você!", sem dar tempo para protestos e contestações. Contrafeito, aceitou as notas, guardando-as no bolso frontal da camisa. Confesso não me recordar da quantia ofertada, se muita ou pouca, mas o fato se repetiu mais duas vezes naquele dia, as bolachas esquecidas na bolsa, Aílton mais conformado com minha insistência, e nos divertimos bem, longe de um mundo que excluía os diferentes, os animais na sua mansuetude enganosa e crianças em fase de descobertas.
Na semana seguinte, em casa após uma segunda-feira cansativa, tocaram a campainha. Minha mãe atendeu e me chamou. Era comigo, o que seria? Na rua, Aílton e uma senhora idosa. Ares estranhos, e mais ainda para mim, que não entendia o porquê daquela visita. Aproximei-me, temeroso por alguma coisa que não fizera. Ou fizera? Quando Aílton, instigado por sua mãe (soube então), me falou do motivo daquela aparição inesperada... Era mais do que evidente: o dinheiro do zoológico. A mulher me interpelou:
— Mas você deu mesmo tudo isso pra ele?, e me mostrava as diversas notas, um tanto amarfanhadas, onde se distinguiam as efígies da Princesa Isabel e do Pedro Álvares Cabral, não sei se mera coincidência ou fato carregado de simbologias que só muitos anos depois eu poderia interpretar.
Eu, surpreso com tudo aquilo, olhava para o rosto de Aílton, abaixado e – avalio hoje – envergonhado, e para o de sua mãe, vincado de rugas, uma lágrima começando a surgir. Mesmo sem compreender, respondi que sim, o dinheiro era dele, não havia problema algum. Então, aquela mulher ergueu os olhos e os braços e me agradeceu muito, Deus haveria de pagar aquele ato de bondade, disse, segurando minhas mãos. Nos olhamos mutuamente, os três, afogados em silêncios e lágrimas, então ela se despediu, Aílton também, deixando-me ali sem saber o que fazer, vendo-os descer a rua até sumirem na primeira curva.
Naquele dia, tive meu primeiro contato com um gosto novo, diverso do das maçãs e dos churros. Um prazer muito mais duradouro e, ao mesmo tempo, incômodo. Nunca entendi o porquê de minha atitude naquele passeio escolar: se por desconhecer o valor do dinheiro; se por um sentimento de solidariedade, raro naqueles dias como hoje; ou se por um anseio de me sentir poderoso, como aquele menino no banco do cobrador, sonhando com seu uniforme, a posse da catraca e suas conseqüências. O fato é que, sob diferentes modos, esse sentimento iria nortear boa parte de minha vida dali por diante, com raríssimas vantagens pessoais para mim e, por que não dizer?, até mesmo enfrentando prejuízos de todas as ordens. Enfim, fiquemos com a tese da bondade. Ela é insustentável e explica muito pouco desta história absurda, eu sei. Mas, pensando bem, talvez seja por isso mesmo; afinal, pelo óbvio ou pelo mistério, nem tudo carece de explicação, até para conferir algum significado aproveitável para esta crônica de paquidermes, urutus e outros bichos menos memoráveis.

27 de maio de 2006

As criaturas do esgoto

Um amigo, na verdade um grande amigo, disse-me que eu deveria deixar de me apoquentar com as cobras que, há alguns dias, resolveram fixar morada em minha casa. Confesso que, no começo, elas me assustavam: a pele viscosa, quase gosmenta; os dentes agudos pingando veneno; os olhos de não-ser (como diria Riobaldo). Silvavam naquele timbre irritante entre o metálico e o borbulhante, sabe como? Entravam pelas frestas, refestelavam-se nos móveis, deixavam tudo impregnado com um cheiro meio de vômito. Desapareciam quando eu me aproximava. Incômodo total. Tinha de limpar tudo, passar pano, desinfetante, álcool, abrir as janelas, deixar entrar o sol. E antes que o dia terminasse, bastava eu sair um minuto, elas voltavam. Até que conversei com esse meu amigo, na verdade um grande amigo. O segredo é não se deixar incomodar por elas. Ignorá-las. Mostrar qual é o verdadeiro lugar delas: as sombras, o esgoto, o imundo. Pena que já era um pouco tarde para salvar minha casa, toda carcomida pelas malditas. Aqui, porém, elas não virão. E, caso o façam, já sei exatamente como proceder.

Aviso aos navegantes

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24 de maio de 2006

Recomeço. Recomeço.

Todo começo tem de ter um começo? Bem, isto aqui teve um - mas a história é longa, mais ou menos conhecida por quem visita este blogue, e já me encheu as medidas. Então ficamos assim.