10 de outubro de 2006

Poema, depois de muito tempo.

Louvação

Talvez haja um canto junto ao esgoto,
Talvez os ratos caminhem a esmo,
Hoje quis chover mas o sol não deixou
E as pessoas franziram os cenhos e
Cerraram os punhos e venderam
Suas mães e seus filhos para os açougues
E encheram suas gavetas de promessas
E de poeira e corpos decompostos.
Aleluia, louvemos todos.
Aleluia, me respondem.

Talvez o grito seja arrancado como a
Um dente ou as unhas das mãos;
Talvez uma garoa nos molhe o rosto,
Ou nos mitigue a sede gretada.
Mas do céu só nos vem o chumbo
Que entra nas veias e nos amarga a boca,
E nos cega a vista e corrói a pele
E pêlos pela saliva dos lagartos.
Aleluia, ergamos as mãos.
Aleluia, todos entoam.

Talvez os homens deponham as armas,
Talvez antes que um tiro se dispare;
Mas é desejar que os porcos não grunham,
E que os dentes dos lobos não rasguem
A carne de suas vítimas e o sangue
Não borre as paredes e se misture na
Lama dos excrementos e da urina,
E que haja alguma paz nesta terra
Mesmo aos homens de boa-vontade.
Então eu urro: Aleluia! Aleluia,
Ruminantes incivis. Aleluia,
Mugem todos,
E erguem as patas.