13 de junho de 2006

Outro texto dos tempos d'antanho...

“Refrigerante”

Festa na escola, vocês já passaram por isso? Não sei se ainda são feitas, tamanha a violência que infesta nossas vidas, mas eram prática comum nas escolas públicas estaduais, sempre às voltas com falta de verbas, motivo pelo qual as associações de pais e mestres (entidades criadas para suprir o que o governo não fazia, ou seja: tudo) organizavam essas atividades caça-níqueis. No começo, eram só as famigeradas e odiosas (para mim) festas juninas. Tinha e tenho trauma dessas coisas. Primeiro que acho ridículo esse negócio de, vivendo em São Paulo, se fantasiar de caipira (com todo o respeito aos que possuem raízes interioranas). Depois, obrigar a criançada a dançar quadrilha que, no meu entender, só vale para assaltos a bancos. Por fim, a extorsão qualificada que era a "cadeia", um lugar para onde levavam qualquer um que tivesse cara de trouxa ou não fosse forte o suficiente para resistir a seus captores. Bom, mas estou me desviando do assunto.
Então, começaram com as tais festas e, após algumas tentativas frustradas com temas infelizes - do salgado, de doces etc. - tiveram (ignoro quem) a idéia de promover uma festa do guaraná. Não, nada de orgias aspergidas com o suposto afrodisíaco. Guaraná, aquele que vem em garrafas, gasoso, doce, e produzido pela mesma companhia que produz a melhor cerveja do país (de acordo com ela própria). Não, não é a Brahma. (Um parênteses: como é duro evitar o merchandising hoje em dia!) Festa do Guaraná, com fornecimento de bebidas pela Antárctica, atual Ambev (pronto, tá feita a propaganda!), salgados e sanduíches pelas mães, e canecas vendidas juntamente com o convite que dava direito à entrada e a todo o guaraná que você conseguisse beber.
Devo confessar que nunca fui fã desse refrigerante. Hoje, talvez pela invasão quase hecatômbica da... da... Coca-Cola (desisto!), me sinto tentado a bebericar o líquido dourado e doce enquanto me enveneno com um Big Mac. Mas, naquela época, já sentia saudades de uma daquelas marcas locais, desaparecidas por conta do poderio econômico dos concorrentes. Havia a Tubaína, que ainda pode ser encontrada em certos bairros, mas que não chega aos pés das que bebi. Melhor que esta, no entanto, era a Cerejinha que, evidentemente, não tinha resquício nem lembrança da fruta que inspirava seu nome, mas era única, um diferencial perante a mesmice de bebidas inócuas (ou quase) de hoje.
Enfim, o guaraná... Imaginem um bando de pré-adolescentes dos anos 70 numa festa em que pode beber o quanto quiser. É lógico que vão inventar alguma idiotice do tipo "vamos ver quem bebe mais?" Venceria quem bebesse o maior número de canecas, metaforicamente falando, é claro. Lembram que, um pouco antes, eu havia dito que guaraná é doce? Pois bem, depois da 20ª dose (uns quatro litros, pelo que posso calcular) não é mais. Além de um aumento considerável da barriga (devido ao gás) e da vontade de urinar (por motivos óbvios), crescia em todos nós - e em mim, com mais certeza - um amargor na boca, que parecia se estender à garganta e ao estômago, e que tirava todo nosso apetite no que diz respeito aos sanduíches que eram vendidos. Hoje, com a sabedoria adquirida com os anos, eu diria tratar-se de uma azia. Na época, era só um treco esquisito, ou seja lá como chamávamos a isso.
Diante do quadro emergencial, dirigimo-nos, um de cada vez (pois, mesmo naqueles tempos, o que iriam pensar de um grupo de rapazes, de pós-infantes, de panacas, enfim, entrando todos num recinto fechado e recluso), dirigimo-nos, repito, ao banheiro. A dúvida que me assaltou, e aos outros, era se aliviávamos a bexiga ou o estômago (este, via garganta). Parecia que todo mundo havia descarregado fora do vaso, tamanha a quantidade de água (água?) no chão. Isso, fora o cheiro dominante, um tanto pesado para quem bebera e comera além da conta. Hamlet, se estivesse em meu lugar, teria reformulado sua famosa dúvida existencial. Para resumir, segurei o quanto pude a respiração e esvaziei minha bexiga, que nunca mais seria a mesma depois daquele dia.
Não só ela, aliás; nossa escola também, já que, devido ao sucesso alcançado, os organizadores resolveram repetir a dose nos anos seguintes, prova incontestável da proliferação geométrica da idiotice, ao menos naquela região. Meus amigos e eu, baseados na lógica de nossa idade, é evidente, está mais que na cara (novamente no sentido figurado, por favor), não havia outro caminho a optar que não fosse comparecer lá todos os anos, cometendo as mesmíssimas besteiras. Não sei porque ninguém teve a idéia de trocar o guaraná pela Grapette, outro refrigerante que marcou minha infância. Mas acho que, se fossem fazer isso, colocariam a Fanta Uva no lugar. E essa, eu detestava.
Nessa altura, eu sei que vão dizer que faltaram sexo, drogas e rock'n roll. Também não houve palavrões, nem sangue, nem morte. E, para falar a verdade, nem história, se formos ser rigorosos. Mas, ora, o que é que vocês queriam de uma geração como a minha, marcada ainda pela repressão educacional nipônica? É verdade que, um tempo depois, muitas dessas coisas, que alguns considerariam hediondas, entraram em minha vida. Quanto a meus amigos, uns fumam; outros bebem; outros praticam as duas atividades; outros, nenhuma delas; e todos engordam e envelhecem. Penso se o mesmo não ocorre comigo, mas creio que não, ao menos no grau deles. Culpa dos refrigerantes? Pode ser, embora eu ache que o problema maior esteja em outras artificialidades do dia-a-dia. Mesmo porque festas como aquelas, nunca mais as tivemos, e acho que esta é a nota melancólica desta - vá lá que seja - história, só para não fugir de meus hábitos. Mas a melancolia, os motivos, ficam pra uma próxima vez.

2 comentários:

Lívia disse...

Eu odiava e odeio essas festas... Odiava pq era obrigada a dançar, Odeio pq sou obrigada a trabalhar.

Mas não tive festa do guaraná... Mas achei uma ótima idéia para me vingar dos alunos :P

Beijos

drika disse...

detestava essas festas! eu me lembro dos bolos do Dia dos Professores, em que os alunos ganhavam só um pedacinho, bem "inho" mesmo. Ah, e os bolos com recheio e cobertura ficavam só p/as professoras, ganhávamos apenas dos bolos de padaria, secos e sem graça :-(
Tenho trauma dessa época... rs

bjos!